O Olhar de Alzira

por Ana Maria Bernardelli

A convite do amigo Rubenio Marcelo fui assistir à pré-estreia do filme de Marina Thomé “Aquilo que eu nunca perdi” com Alzira E no BioParque Pantanal. Confesso que hesitei por uns instantes em aceitar, pois não é exatamente o gênero de música que mais aprecio, mas resolvi prestigiar a nossa expressiva artista.
Depois de alguns minutos da projeção do documentário, eu já estava completamente encantada com o que via e ouvia. Uma inteligente e emocionante narrativa da trajetória de vida e de arte de Alzira E.
Uma pequena e grande mulher que se agiganta a cada cena, seja nas lembranças da vida em família, seja nas impecáveis e sensíveis interpretações.


Alzira E, pelas mãos de Marina Thomé, desnuda-se e à sua arte com extrema força e determinação. O público sente essa libertação criativa da artista que transita por letras, gestuais, vestuários pouco usuais – o que proporciona um dinamismo peculiar à sua performance. Alguém disse que ela veio ao mundo para cantar. E ela leva à risca esta determinação existencial.


Tudo nela é talento, poesia, vibração. Não testa seus limites, ultrapassa-os só ou ao lado de parcerias que atuam/atuaram na ampliação de seus horizontes.


O envolvimento da plateia vai num crescendo, na mesma medida em que Alzira E relata, sempre emocionada, os altos e baixos que enfrentou no início da carreira.


E foi nesse momento que me fixei em seu olhar. A cada recordação, seus olhos exprimem um sentimento em intensidades diferentes. Muitas vezes ela olha o tempo que só ela conhece/ conheceu; ora lágrimas furtivas pintam seu rosto maduro marcado pelas noites insones à procura de uma harmonia, um acorde, uma palavra que teima em não se apresentar.


Ao falar da família, dos filhos, dos irmãos, seus olhos brilham. “Eu, minha família e meu trabalho é uma coisa só.” A expressividade de uma forte carga emocional a acompanha sempre. Só vi esperança de que tudo aconteceria no fluxo natural da vida. Não vi em seu olhar nenhum vestígio de medo.


Se por um lado uma teimosa melancolia a assalta, logo, inspiradas melodias estabelecem a força das emoções e a contínua entrega da cantora a inusitadas formas instrumentais e à sua voz privilegiada, vigorosa, ícone dos sons pantaneiros.


Seu olhar chegou à metrópole a qual ela adotou como um segundo reduto, mas seu olhar suaviza quando fala da terra pantaneira, do ruído do rio ornado de camalotes, do farfalhar do arvoredo que abriga pássaros tão canoros quanto ela. As águas a acompanham. Não é preciso ter saudade delas. Suas vidas estão entrelaçadas.


O filme não prima pela linearidade. Há um vai e volta entre momentos que retratam o passado e a crescente história de sua ascensão ao mundo musical. Alzira E afirma com bom humor que sempre esteve no auge.


Um filme –documentário – lindo, inerente a uma cantora admirável que estimula e aviva corações com suas músicas como é o caso de um de seus sucessos:

“Viajo pro sul deixando oeste
Lá quando chegar deixo meu frete
Isso quer dizer que meu norte é este
Norte fica ai bem junto a ti
Aquilo que eu nunca perdi
Pelo norte, sul, nem leste-oeste
Tudo que pedi tu já me deste
Mas meu amor é que acontece
Que em volta tudo cresce
A cada dia o sol nasce
Morre
Nasce”

E voltando ao seu olhar, o que finalmente vi foi uma dose imensa de amor, amor pela vida que lhe permitiu a companhia da arte, da música que se transformou em sua própria existência.

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